quarta-feira, 11 de julho de 2018

Três aprendizados desse primeiro ano sem bolsa na França


Lembro de uma das minhas primeiras aulas na faculdade, em que um professor falava sobre as oportunidades de intercâmbio em diversos países. Todos estavam animados, se sentindo desafiados pela proposta. Me lembro que na época sobravam bolsas. A maioria das salas de graduação, pós-graduação e afins eram compostas principalmente por veteranos falando onde fizeram seu intercâmbio, onde fariam ou que era pra fazer logo pois estava certo que iam cortar as bolsas.

Nesse mesmo ano, a situação financeira da minha casa tinha chegado no limite em que se escolhe qual conta pagar e qual atrasar. O ano em que entrei na faculdade foi o mesmo ano que pela primeira vez faltou dinheiro pra transporte e pra comida. A FUMP me forneceu as assistências que podia, que me foram de grande ajuda, mas não chegava nem perto de dar tranquilidade pra estudar. De certa forma, eu sabia que se eu quisesse vir pra França, seria por um caminho cheio de obstáculos de todas cores e tamanhos. E foi assim. Desde ir de bicicleta pra UFMG pegando o Anel Rodoviário até passar dias inteiros batendo de porta em porta procurando emprego ou uma bolsa de iniciação cientifica.

Pensei em desistir a cada obstáculo. Desistir sempre foi e sempre será o caminho mais fácil, confortável e menos doloroso. Mas esse ano que passei aqui na França, tendo que trabalhar e estudar aqui, usando a habilidade de manter a consciência num nível em que é possível gerenciar o tempo e superar mentalmente cada dificuldade, nada disso seria possível sem ter passado por isso antes na UFMG.

Um mês antes de pegar o avião, sonhava continuamente que estava na França. Acordava suando frio no meio da noite. Tentava aprender tudo que fosse possível, cada trajeto, cada traço cultural, cada tabu, personalidade, pensamento. Quando pisei na França, fui recepcionado por duas pessoas. Gabriel, um grande amigo e Isabelle, a pessoa com quem aluguei um quarto a 50 minutos de Paris pra pagar metade do preço de um aluguel normal (aluguel médio de Paris morando sozinho = 700 euros). Ela foi muito gentil em me receber no aeroporto, me ajudar em todo meu processo como estudante na França, todos os documentos, currículos, dicas e possíveis riscos e eu tentei retribuir de toda forma que eu pude. Talvez essa seja a primeira lição : uma lição altruísta.

Quanto mais você se doa pra alguém aqui, mais essa pessoa se doa pra você. É uma relação saudável que não depende de expectativas nem de julgamentos. É uma ajuda simples e boba, sem esperar nada em troca, que muda toda sua relação com as pessoas ao seu redor e como você se sente no ambiente que te cerca.

É verdade também que nos meses que se passaram, percebi o quanto era dependente das pessoas ao meu redor. Perdi toda referência de quem era e todas as minhas seguranças tao bem construídas no Brasil, não eram mais  verdade. As pessoas mais próximas que realmente se importavam comigo, que sabiam quem eu era e que eu sabia quem eram, estavam do outro lado do oceano. Às vezes pensei se era culpa das diferenças culturais toda a solidão que sentia, mas não era.

Na verdade, a cultura francesa e a brasileira são próximas. E ainda mais quando alguém ouve a palavra Brasil. Na mente da pessoa, a ligação entre Brasil, carnaval, futebol e felicidade é instantânea. Então todo lugar que chegamos, somos muito bem recebidos - porque afinal, recebemos esse pessoal muito bem na nossa casa.

No conjunto de coisas boas, ruins, intersecções e não pertencentes aos conjuntos, a dúvida foi sempre o que mais me incomodou. Não ter certeza sobre o momento, sobre ter o que comer, ter onde dormir, não ter controle sobre a situação pessoal, acadêmica, profissional nem financeira pra realizar o melhor possível no tempo disponível. Aprendi uma lição egoísta.

É na solidão completa de estar no meio do desconhecido que a dúvida se agrava. E é por isso que ela é importante. O importante nesse tempo foi e têm sido me fortalecer sempre nas minhas convicções encontrando respostas em mim ou nos meus amigos pras dúvidas no caminho.

Talvez eu seja muito otimista. Vejo claramente uma linha de fatores, decisões e pequenos detalhes que compõe, virão a compor meu futuro ou o que eu quero que ele seja. E talvez sim, tudo seja uma questão de perspectiva. Talvez seja infantil pra você, ou meio bobo, mas se tem uma pessoa que realmente ouvi esses anos foi minha mãe. Pelas coisas que ela nunca disse.

Ela nunca me criticou destrutivamente, nem me disse que eu não era capaz. Ela não me disse pra manter os pés no chão quando eu subia alto quando pequeno. Ela não fazia graça das minhas idéias loucas, nem usava palavras que me ferissem. Eu tive sorte em ter pais excelentes, ter sempre bons exemplos de valores e de visão sobre a vida. Fora o privilégio de ter vindo pra França como estudante, o que facilita o processo e ainda reduz o preço ou torna gratuito o transporte, a moradia e a alimentação. Uma situação completamente diferente de todas as pessoas fugindo de guerras que estão nas ruas de Paris buscando esses três itens mencionados. Buscando paz. Ou seja, toda dificuldade é minúscula. O terceiro aprendizado, um mesmo quadro é completamente diferente se visto do outro lado da sala.

O privilégio de estar aqui é único e não vem sem responsabilidades. Não é apenas uma viagem nem apenas um diploma, uma linha pra incrementar o currículo ou uma oportunidade de ganhar dinheiro.

É o que você quer que seja. São as portas que você abrir, os contatos que fizer e o caminho de onde você quer chegar. É uma chance de ampliar suas perspectivas. É uma chance de usar seu privilégio e sua nova perspectiva pra mudar a vida de outras pessoas.

Por fim, aprendi a ser mais responsável. Pelos outros ao meu redor, pelo que eles sentem mas principalmente por quem são. Essa quarta lição veio meio que por consequência das outras. A França, ou melhor, os franceses ensinam uma lição preciosa da vida. 

Nunca esqueça o fator humano.

Claramente existe uma coisa perigosa acontecendo no mundo quando os materiais, os computadores, os aluguéis das salas de escritório são mais caros que os humanos que utilizam os materiais pra construir, os computadores pra criar e os espaços pra coexistir.

Algo que esta acontecendo na França nesse momento é que as pessoas se especializaram tanto nos seus métiers - sem tradução, bem vindo ao grupo de pessoas que buscam tradução pra essa palavra - que o custo da mão de obra é cerca de 5 vezes mais caro. Isso tem dois efeitos. Muito dinheiro circula, o tempo todo. O segundo é que as pessoas se tornam preciosas. Cada pessoa se torna um investimento sério e não um item descartável. Um ativo e não um passivo de uma empresa ou do sistema. Não importa onde ela esteja na pirâmide da sociedade - embora sua nacionalidade seja às vezes levada em consideração - ela tem seu valor.

Na foto acima, não sei se você reparou, mas eu estou embaçado e o fundo, focado. Esse primeiro ano foi assim. Tentando se encaixar, tentando se misturar na paisagem, tentando se adaptar à quem eles são ou quem eles pensam que são.

Mas nada disso importa meu caro leitor ou minha cara leitora.

Realmente, o que importa, hoje e no futuro, é quem você é.
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